A verdade por trás das narrativas tecnológicas: Da caneta espacial ao Deepseek

A tecnologia sempre esteve no centro das disputas narrativas sobre eficiência, custos e inovação. Um dos exemplos mais emblemáticos dessa tendência é a história amplamente difundida de que os americanos gastaram milhões para desenvolver uma caneta espacial enquanto os soviéticos simplesmente usaram um lápis. Embora essa história seja falsa, ela ilustra bem como a percepção sobre inovação pode ser distorcida para reforçar certos argumentos.

Essa historia da caneta caríssima x lápis russo foi amplamente divulgada na época onde o email era fonte de compartilhamento de notícias e boatos, isso lá pelo começo dos anos 2000.

Na realidade, tanto os EUA quanto a União Soviética começaram utilizando lápis no espaço. No entanto, o grafite quebradiço e inflamável representava riscos sérios em um ambiente de gravidade zero.

Na década de 1960, um empresário chamado Paul Fisher desenvolveu a Fisher Space Pen, uma caneta pressurizada que:

  • Funcionava sem gravidade, de ponta-cabeça e até embaixo d’água.
  • Tinha uma tinta que não evaporava nem entupia em temperaturas extremas.

Ele não foi financiado pela NASA. Fisher criou a caneta por conta própria e depois ofereceu à agência espacial. A NASA testou e começou a usá-la a partir de 1967.

Os soviéticos, percebendo as vantagens da caneta pressurizada, também compraram as Fisher Space Pens e passaram a usá-las.

As canetas Fisher foram vendidas por cerca de US$ 2,39 cada para a NASA e a agência espacial soviética, não por milhões de dólares.

Portanto o que quero expor acima, é que antes de se acreditar em tudo que divulgam, principalmente em vídeos curtos de redes sociais, é necessário verificar com profundidade as informações que somos bombardeados diariamente.

O mercado de ações é altamente volátil e frequentemente sujeito a oscilações bruscas baseadas em notícias e especulações que nem sempre possuem comprovação adequada.

Eventos inesperados, boatos e até campanhas de desinformação podem influenciar drasticamente o valor de empresas e setores inteiros, muitas vezes sem uma base sólida nos fundamentos econômicos. Esse comportamento reflete a influência das narrativas e da psicologia dos investidores, que, ao reagirem impulsivamente a manchetes sensacionalistas, podem gerar ciclos de alta ou queda artificial, reforçando a necessidade de uma análise criteriosa antes de tomar decisões financeiras.

O recente declínio das ações das big techs de inteligência artificial no mundo gerou um grande debate sobre suas possíveis causas e implicações. Alguns analistas sugerem que essa queda pode não ter sido apenas uma reação natural do mercado, mas sim um ataque coordenado e especulativo cuidadosamente orquestrado por grupos rivais.

A volatilidade no setor de tecnologia, especialmente em empresas ligadas à IA, tem sido impulsionada por uma combinação de fatores, incluindo incertezas regulatórias, receios sobre bolhas de valuation e mudanças na percepção dos investidores. No entanto, quando múltiplas gigantes da IA enfrentam quedas simultâneas em suas ações, isso pode indicar uma estratégia de manipulação do mercado. Grandes fundos e investidores institucionais podem ter utilizado técnicas como vendas a descoberto (short selling) e disseminação de rumores para induzir pânico e influenciar negativamente o sentimento do mercado.

Essa abordagem não seria inédita. No passado, setores inteiros já foram alvos de ataques coordenados para forçar liquidações em massa, permitindo que players estratégicos comprassem ativos subvalorizados posteriormente. Se a queda das big techs de IA seguir esse padrão, é provável que vejamos uma rápida recuperação nos preços quando a poeira baixar e os investidores estratégicos retornarem ao mercado.

A grande questão agora é se essa movimentação foi apenas uma correção natural após um período de alta, ou se estamos diante de uma ação bem planejada para enfraquecer empresas líderes e dar espaço a novos concorrentes. Investidores atentos observarão os próximos movimentos, pois a forma como o mercado reagirá nos próximos dias pode revelar muito sobre as verdadeiras forças por trás dessa turbulência.

Nos últimos meses, uma verdadeira avalanche de notícias exalta o Deepseek como uma revolução sem precedentes na IA, enquanto outras tecnologias, como o ChatGPT, são retratadas como caras e ineficientes. Mas até que ponto essa narrativa é baseada em fatos?

O Deepseek, assim como qualquer nova tecnologia, tem seus méritos e inovações. No entanto, a forma como a mídia e certos grupos promovem sua suposta superioridade pode distorcer o cenário real da IA. Não é incomum que novos players tentem se posicionar no mercado explorando a ideia de que os concorrentes são antiquados, caros ou ineficientes – o mesmo tipo de raciocínio que alimentou o mito da caneta espacial.

A realidade é que todas as grandes inteligências artificiais envolvem investimentos substanciais em pesquisa, infraestrutura e desenvolvimento. 

Qualquer comparação séria entre tecnologias precisa levar em conta segurança, ética, precisão, custo-benefício e aplicabilidade real. Nenhuma IA moderna é gratuita ou “simplesmente melhor” sem compromissos.

Nos últimos 30 anos e vamos pensar apenas nesse período pois foram anos ímpares na história da humanidade com o surgimento e popularização das tecnologias amplamente usadas atualmente, temos alguns exemplos detalhados de ataques especulativos e soluções tecnológicas que foram altamente promovidas e naufragaram em pouco tempo nos últimos 30 anos, um período marcado pela ascensão tecnológica global:

1. Bolha das Pontocom (1999-2001)

Nos anos finais da década de 1990, a internet era vista como o futuro inevitável dos negócios, levando a uma especulação massiva em empresas do setor, independentemente de sua rentabilidade real. Investidores despejaram bilhões em startups de tecnologia sem modelos de negócios sustentáveis. O ápice da especulação veio em 2000, quando muitas dessas empresas atingiram valuations astronômicos sem receita sólida. O colapso começou em 2001, levando à falência empresas como Webvan e eToys, enquanto gigantes como Amazon e Google conseguiram sobreviver após ajustes drásticos.

2. O Colapso do Bitcoin em 2017-2018

Em 2017, o Bitcoin atingiu seu pico histórico de quase US$ 20.000, impulsionado por um frenesi especulativo e promessas de que as criptomoedas substituiriam moedas tradicionais. No entanto, uma combinação de regulação governamental, manipulação de mercado e um fluxo maciço de vendas levou a uma queda brutal de mais de 80% em um ano. Muitas startups que surgiram promovendo ICOs (ofertas iniciais de moedas) também faliram, deixando investidores no prejuízo.

3. O Caso da Theranos (2015-2018)

A startup de biotecnologia Theranos, liderada por Elizabeth Holmes, prometia revolucionar o setor da saúde com uma tecnologia de exames de sangue que exigia apenas algumas gotas de sangue para diagnosticar centenas de doenças. A empresa recebeu bilhões de dólares em investimentos, atingindo um valuation de US$ 9 bilhões. No entanto, em 2015, investigações revelaram que a tecnologia não funcionava como prometido e que os testes da empresa eram fraudulentos. O colapso levou à falência da empresa e à condenação de Holmes por fraude.

4. O Caso GameStop e o Ataque Especulativo do Reddit (2021)

Em janeiro de 2021, um grupo de investidores amadores do Reddit (r/WallStreetBets) coordenou um ataque especulativo contra grandes fundos de hedge que estavam apostando contra as ações da GameStop (GME). Por meio de compras massivas e um efeito de short squeeze, o valor das ações da empresa disparou mais de 1.500% em poucos dias, levando a grandes perdas para fundos de hedge que haviam apostado na queda. No entanto, após a intervenção de corretoras e reguladores, o preço da ação despencou novamente, deixando muitos investidores amadores no prejuízo. Fonte: https://www.nytimes.com/2021/01/29/business/gamestop-stock.html

5. O Hype da WeWork e sua Queda (2019)

A WeWork, empresa de coworking liderada por Adam Neumann, foi inflada por um frenesi especulativo promovido pelo SoftBank e outros investidores de alto perfil. No auge, a startup foi avaliada em US$ 47 bilhões, mesmo sem apresentar um modelo de negócio sustentável. Quando a empresa tentou abrir seu capital em 2019, documentos revelaram problemas financeiros e de governança severos. O IPO foi cancelado, Neumann foi removido e a empresa perdeu 90% do seu valor de mercado, forçando sua reestruturação. Fonte: https://www.wsj.com/articles/wework-ipo-debacle

6. O Caso da Segway (2001)

A Segway foi apresentada como uma inovação revolucionária em transporte pessoal no início dos anos 2000. O hype em torno do veículo elétrico de autoequilíbrio foi imenso, com especulações de que mudaria a forma como as cidades operavam. No entanto, a aceitação do público foi baixa devido ao alto custo, falta de infraestrutura urbana e regulamentações complicadas. O produto nunca atingiu o sucesso esperado e a empresa foi adquirida por um grupo chinês em 2015, deixando de fabricar Segways em 2020. Fonte: https://www.nytimes.com/2020/06/23/business/segway-shutdown.html

Assim como a caneta espacial se tornou o padrão pela sua segurança e confiabilidade, a escolha das melhores tecnologias de IA deve ser baseada em critérios técnicos e não apenas em narrativas de marketing. A busca pela inovação é um processo contínuo, e muitas vezes as inovações mais estáveis e confiáveis não são aquelas que geram as manchetes mais chamativas.

Portanto, antes de se render à euforia em torno do Deepseek – ou qualquer outra tecnologia que prometa revolucionar o mercado:

É essencial analisar os fatos, entender os desafios técnicos envolvidos e evitar cair na armadilha da narrativa simplista do "novo sempre é melhor". 

Afinal, na história da tecnologia, a verdade raramente é tão simples quanto parece. E o tempo dirá qual é a verdade.

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